"Ao utilizar o leque, observe como que discretamente, muito da sua alma dança nas suas varetas."


Canção do Leque Taiji

A história do Leque traz em si o simbolismo da manutenção e controle do fogo pelo homem.
O fogo, em todas as culturas, está ligado ao sagrado e, como consequência, o Leque tornou-se um instrumento sagrado. Para manter o fogo aceso, os primeiros seres humanos perceberam que precisavam da ajuda do vento. Utilizando primeiro o sopro, depois a palma da mão, e na sequência uma folha, o homem gera o Leque, como aquele que mantém o Fogo sob controle através do Vento. Essa simples utilidade vai adquirir um simbolismo, o da manutenção do Fogo da vida através do controle do sopro (Chi), usando um objeto ou o próprio corpo (mão). 

O Leque é o primeiro instrumento de ampliação do corpo (mão) na função de gerador de vento. É um objeto universal e milenar, presente em todas as culturas, mas, sem dúvida, é na China, Japão e Coréia que ele ultrapassa o conceito de objeto utilitário e artístico e segue sua trajetória ao longo da história até os dias de hoje, passando do funcional ao artístico, do sensual e sedutor, à arma simulada e letal, além de objeto símbolo de poder ou até mesmo um amuleto de poder espiritual. Nos primórdios da história da China o Leque simbolizava a benevolência e fertilidade dos deuses. Seu uso como objeto sagrado foi utilizado por diversas culturas e para vários rituais: nascimentos, casamentos, oferendas de sacrifícios, funerais e comemorações sazonais. Em todos eles o Leque está presente. No I Ching, o Leque está relacionado ao Trigrama Sun (Vento), a suavidade. É o poder da suavidade simbolizado pela Madeira e o Vento. “O INSTRUMENTO DO VENTO É O TEMPO”, diz o I Ching. O Vento liga o mundo invisível ao mundo visível, o mundo espiritual ao mundo material. Imortais chineses portam um Leque, e em especial Chung Li Chuan, que porta um Leque como distinção, e utiliza-o para expulsar os demônios e ressuscitar os mortos. Até mesmo um Leque parado, pendurado em uma parede, mantém sua função simbólica e energética. Ele canaliza as energias numa direção desejada. O Feng Shui ensina: “O lado da aba aberta determina a direção do fluxo energético. Evite orientar o Leque diretamente para cima ou diretamente para baixo. Ele deve estar disposto de uma maneira levemente inclinada.” Na Teoria dos Cinco Elementos/Movimentos - Wu Hsing, o Leque está ligado à Madeira madura, enquanto o Bastão à Madeira jovem.

Com todo este simbolismo o Leque não deixa de ter o seu lado prático, funcional. Embora o abanar para refrescar seja uma função posterior ao abanar para atiçar o fogo, a função do refrescar se torna uma maior necessidade a partir do momento em que o homem começa a se vestir, não só para se proteger, mas para ostentar um padrão social de vestimenta, muitas vezes, excessiva. Neste momento o Leque também se torna um instrumento decorativo, e acessório da vestimenta. Era utilizado por homens e mulheres no Oriente. No Ocidente, ele toma a característica feminina e, embora usado na corte européia também pelos homens, a partir do século XVIII ele passa a ser de uso exclusivamente feminino. Foi, até mesmo, obrigatório nas indumentárias de recepção da corte inglesa até l939. O Leque no Oriente tem simbologia de status e amuleto. É na China, e depois no Japão e na Coréia, que o Leque vem se tornar uma “arma de emergência”. Em locais onde era proibido o uso de armas, o Leque era uma das opções de defesa, e algumas manobras foram criadas especialmente a partir de sua maleabilidade em bloquear, distrair e atacar, assim como agregados acessórios (dardos e lâminas envenenadas). Deste modo, o Leque passa a fazer parte do arsenal de utilitários, como tridentes, enxadas, guarda-chuvas, bengalas, toalhas e qualquer objeto que não fosse arma, mas utilizado como tal. Nos sistemas de Kung Fu mais suaves, como Louva-Deus e Garça Branca, assim como nos mais duros, como Hung Gar, Choy Li Fut, o Leque é utilizado ora enfatizando o aberto ora o fechado. O Leque é complexo na sua utilização, primeiro pelo seu manuseio. É a única arma que se utiliza tanto aberta como fechada e, por ser um instrumento frágil, exige do executante grande habilidade para não danificá-lo durante o intercâmbio. Deve ser utilizado com movimentação, velocidade, agilidade e com o mínimo de contato com as outras armas, mudando a posição da mão várias vezes. Segundo, pelo fato de sua utilização ultrapassar o real, e utilizar-se do ilusório. Tanto no visual, que abre e fecha, como no sonoro, o Leque pode e deve ser utilizado para iludir.

O Leque Tai Chi enfatiza certas qualidades relativas à arte do Tai Chi Chuan. As principais são: a Energia Espiralada, o Aderir, o Escutar, e o Neutralizar. A Energia Espiralada (Chan Si Jing) se manifesta no Leque de várias maneiras, muitas vezes como a Espada, com o Leque fechado, ou como a palma da mão, com o Leque aberto. O Aderir com o Leque fechado, é como o Aderir do Bastão ou da Espada. Com o Leque aberto é como o Sabre, onde se utiliza a outra mão sobre a aba. Após o Aderir, vem o Escutar e o Leque traz a escuta através das varetas e da seda, reverberando a energia do parceiro com mais delicadeza e, portanto, com mais precisão do que qualquer outra arma. Neutralizar com o Leque nem sempre precisa de contato, uma vez que sua arte de iludir pode, num alto nível de habilidade, induzir o ataque ao vazio. A questão da beleza ou harmonia visual permeia todas as artes do Leque, do marcial ao espiritual, uma habilidade deve atingir o sublime. No que tange ao cultivo das energias internas, o Leque habilidoso pode fazer limpezas de auras, movimentar as estagnações, espantar os maus espíritos, os ventos perversos, e liberar bloqueios internos ou externos. Pode-se usar para limpar ambientes, tirando maus cheiros e como atiçador de incensos, estabelecendo padrões próprios e pessoais de manuseio. O Leque carrega consigo uma memória ancestral. É muito mais que um simples utilitário, é um objeto de múltiplas facetas tanto artísticas como simbólicas, é um objeto de poder sutil.